ESMIRNA, A IGREJA CONFESSANTE E MÁRTIR.
Martírio de
Policarpo, Bispo de Esmirna
A Fundação da Igreja
em Esmirna
Localizada ao norte de Éfeso, e com uma
população de cerca de 250.000 habitantes, a cidade de Esmirna era considerada a
mais bela da Ásia Menor. Sua beleza natural era fascinante. Seu esplendor
habitava entre o mar e as montanhas. Sua estrutura urbana era modelo para as
demais cidades de sua época. O comércio internacional favorecia economicamente
a cidade, que era grande exportadora de mirra.
Na condição de centro religioso, em
Esmirna eram adorados os deuses Cibele, Apolo, Asclépio, Afrodite e Zeus. O
culto ao imperador, que incluía a queima de incenso a imagem de César, foi lá
bastante difundido e praticado. [1] Conforme Kistemaker:
Em 26 d.C., ela
dedicou um templo ao imperador Tibério e se gabava de ser a principal no culto
ao imperador. Essa jactância agradou aos administradores romanos, os quais
fomentavam a paz e a unidade que caracterizavam o espírito de Roma por todo o
império. William Barclay escreve que, para tornar o espírito de Roma tangível,
os romanos apresentaram o imperador como sendo sua incorporação, e assim surgiu
o culto ao imperador. Ainda que alguns dos primeiros imperadores discordassem
de tal culto, a população o ativou ao ponto de tornar os imperadores divinos.[2]
Não há registros específicos da chegada
do Evangelho e da fundação da igreja em Esmirna, mas podemos sem problema algum
enquadrar tais fatos no contexto de Atos 19.10:
Durou isto por espaço
de dois anos, dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra
do Senhor, tanto judeus como gregos.
Como na grande maioria dos casos, na
medida em que foi estabelecida pela pregação do Evangelho, a igreja em Esmirna
começou a provocar e a vivenciar algumas tensões, inquietações e desconfortos,
que aos poucos se transformou numa violenta e cruel perseguição.
A Perseguição à
Igreja em Esmirna
Ao anjo da igreja em
Esmirna escreve: Estas coisas diz o primeiro e o último, que esteve morto e
tornou a viver: (Ap 2.8)
Os historiadores sugerem que o bispo da
igreja em Esmirna por ocasião desta carta era Policarpo (69 d.C.-155 d.C.).
Como falar de Esmirna e não citar esse grande mártir da história do
cristianismo?
Policarpo fora discipulado por João. Ao
se tornar pastor da igreja em Esmirna manteve-se fiel à Palavra, mesmo sendo
sabedor da possibilidade do martírio.
No ano de 155 ainda estava vigente a
política de Trajano sugerida ao governador Plínio, onde os cristãos não eram
perseguidos, mas se delatados por alguém, e se negavam a adoração aos deuses ou
ao imperador, eram submetidos aos tribunais romanos, condenados, castigados e
martirizados. [3]
Eusébio de Cesaréia, em sua História
Eclesiástica, nos narra alguns detalhes do martírio de Policarpo, registrados
numa correspondência enviada pela igreja em Esmirna às igrejas de Ponto. Antes
de relatar os fatos relacionados ao martírio de Policarpo, na referida
correspondência se encontras detalhes sobre os métodos empregados pelos
martirizadores dos crentes em Esmirna:
Os que postavam à
volta ficavam tomados de assombro ao vê-los lacerados por chicotadas, expondo o
próprio sangue e artérias, de modo que a carne encerrada nas partes mais
internas do corpo e as próprias entranhas ficavam à vista. Eles eram deitados
sobre conchas do mar e sobre pontas afiadas de lanças sobre o chão. E depois de
passar por todo tipo de punição e tormento, eram por fim lançados às feras. [4]
Foi a postura de um jovem nobre chamado
Germânico diante de seu próprio martírio, que a fúria dos perseguidores se
voltou incontrolavelmente contra o líder da igreja em Esmirna. Persuadido por
muitos e de várias maneiras para que negasse a sua fé em Cristo, e que
prestasse culto ao imperador, Policarpo caminhou firme em direção ao estádio
onde seria martirizado. Quando o governador lhe pediu para que negasse a
Cristo, Policarpo lhe respondeu:
Oitenta e seis anos
tenho-lhe servido, e ele nunca me fez mal; e como posso agora blasfemar meu Rei
que me salvou? [... ] Ameaça-me com fogo que queima por um momento e logo se extingue,
pois nada sabes do julgamento que virá e do fogo da punição eterna reservada
para os perversos. Mas, por que te demoras? Faze o que desejas. [5]
As palavras de Policarpo enfureciam
cada vez mais os seus algozes. Como de costume, o arauto se dirigiu ao centro
do estádio e proclamou: “Policarpo confessa que é cristão”. Amarrado a uma
estaca e sem roupas, antes de seus executores acenderem o fogo, Policarpo fez a
seguinte oração:
Ó Pai de teu amado e
bendito Filho Jesus Cristo, por meio de quem recebemos o conhecimento a teu
respeito. O Deus dos anjos e poderes, e de toda a criação, e de toda a família
dos justos, que vive diante do pai, bendigo-te por teres me considerado digno
deste dia e hora, de fazer parte do número de mártires e do cálice de Cristo,
até a ressurreição da vida eterna, tanto da alma como do corpo, na felicidade
incorruptível do Santo Espírito. Que eu possa ser recebido entre eles em sua
presença neste dia, como um sacrifício rico e aceitável conforme preparou,
revelou e cumpriu o fiel e verdadeiro Deus. Assim, por essa causa e por todas
as coisas louvo-te, bendigo-te por intermédio do sumo sacerdote eterno, Jesus
Cristo, teu Filho amado. Por meio de quem seja a glória para ti no Santo
Espírito, agora e para sempre. Amém. [6]
Quando nos deparamos com as narrativas
acima, passamos a entender a necessidade da ênfase dada no início da carta à
igreja em Esmirna à morte e ressurreição de Jesus, que certamente contribuiu
para ajudar aqueles crentes fiéis a superarem o medo natural da morte e do
martírio.
O Exemplo da Igreja
em Esmirna
Conheço a tua tribulação,
a tua pobreza (mas tu és rico) e a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram
judeus e não são, sendo, antes, sinagoga de Satanás. (Ap 2.9)
Jesus declara conhecer a real condição
daquela igreja, que implicava em constante e grande aflição (gr. thlipsin),
e em extrema pobreza (gr. ptocheian), mas que era
espiritualmente e essencialmente rica.
A condição da igreja em Esmirna promove
a desconstrução dos fundamentos da Teologia da Prosperidade e da Vitória
Financeira, fortemente difundidos nas Assembleias de Deus no Brasil pelo pastor
Silas Malafaia, através de seu programa de televisão. Os crentes de Esmirna
eram fiéis, mas tal fidelidade provocou a tribulação e pobreza material deles,
visto que na próspera cidade de Esmirna muitos foram obrigados a deixar os seus
empregos, tendo também os seus bens confiscados. [7] Como bem adverte Kistemaker:
Isso não significa
que os crentes devam atrair perseguição e dificuldades a fim de ficarem ricos
de possessões espirituais; antes, Jesus quer que sejam fiéis, a ele e à sua
palavra, mesmo quando passam por dificuldades e abuso, porque então serão
espiritualmente bem-aventurados (Mt 5.11, 12; Tg 2.5)
É preciso ter cuidado para não
incorrermos no erro da Teologia da Prosperidade e da Teologia da
Miserabilidade.
O tipo de fé vivenciada pela igreja em
Esmirna deve provocar em nós uma reflexão sobre o tipo de fé que vivenciamos em
pleno século XXI. Até que ponto não estamos praticando algum tipo de idolatria
pós-moderna? Podemos não estar cultuando o “imperador”, mas será que não
cultuamos o “poder” do imperador? Quando pastores abandonam os seus
ministérios, ou dividem o pastoreio do rebanho com a política secular, não está
aí presente o culto ao poder? Quando líderes fazem acertos com políticos em
bastidores, chegando a negociar os votos da igreja em períodos de campanhas
eleitorais, visando em alguns casos tirar proveito em benefício próprio, de
familiares e de amigos, não estamos queimando incenso aos imperadores? Será que
não trocamos os deuses em forma de estátuas e imagens, por deuses em forma de
bens e recursos materiais?
O atual assédio dos políticos mundanos
em torno das Assembleias de Deus no Brasil, não deveria provocar em nós
desconfiança? Por que não éramos assediados quando não passávamos de um pequeno
grupo de “bodes barulhentos”? Por que nossos templos não eram visitados por
vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes na
época em que não tínhamos tanta expressividade numérica e visibilidade social?
Será que diferente da igreja em
Esmirna, não fomos seduzidos, embriagados, entorpecidos e enganados pela glória
e honra do presente século, oferecida por satanás ao próprio Cristo (Mt 4.8-9)?
Qual é a real condição da igreja
evangélica brasileira, e em especial as Assembleias de Deus, diante daquele que
não apenas conhece todas as obras, mas que conhece também os nossos desejos,
vontades, motivações e interesses?
Que a igreja de Esmirna nos sirva de
exemplo e referencial de fidelidade a Deus, coragem e determinação.
[...] Sê fiel até à
morte, e dar-te-ei a coroa da vida. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz
às igrejas: O vencedor de nenhum modo sofrerá dano da segunda morte. (Ap 2.10c-11)
Retirado do Blog do PR.Altair Germano.